Maternidade atípica e seus desafios: aceitação e tratamento do autismo


 


 

 


  Por: Célia Rangel 


“A aceitação do autismo é uma libertação. Aceitar é enxergar além do transtorno, além da falta de  habilidade da criança, é ver o lado positivo da situação. É recomeçar a cada necessidade, é amar sua criança do jeito que ela é. É saber ouvir mesmo em meio ao silêncio. Que aprendam a valorizar o essencial, o real e o palpável. E acrescento que só consegui compreender literalmente o amor através do meu filho. O que me faz  às vezes passar noites em claros, percorrer quilômetros atrás dos melhores médicos, a passar dias  debruçada sobre a literatura médica referente ao TEA é o amor. Ressalto ainda que a minha alegria não está nas circunstâncias, mas em Deus”, diz emocionada Priscila Andrade, mãe de Isaac de sete anos, diagnosticado com autismo aos três. 

 

Nesta data tão especial, em que é celebrado o Dia Internacional da Mulher, suas lutas e conquistas, o Oh, que saúde! traz a história emocionante e inspiradora de Priscila Andrade, jornalista, mãe de Isaac, com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Mulher pequenininha, meiga, de fala mansa, mas que tem a força de uma leoa quando se trata de cuidar e proteger seu filho.  

 

Ela falou a respeito do caminho percorrido desde a percepção dos sinais e também sobre seu dia a dia, no enfrentamento das dificuldades para cuidar do seu filho, trabalhar fora, ser dona de casa, esposa e como teve que se reinventar para cumprir sua jornada. O bate papo aconteceu por telefone com a jornalista Célia Rangel. 

 

CR - Boa tarde Priscila. O Oh, que saúde! agradece muito o seu despojamento para falar sobre essa história de garra que, com certeza, tem lhe marcado profundamente.  

  

PA -  Eu é que agradeço o espaço oferecido. Espero que a maneira como conduzo minha jornada acrescente algo de bom para as famílias que enfrentam o autismo.  

  

CR - Quais sinais você percebeu no comportamento de Isaac que  associou ao Transtorno do Espectro Autista e lhe  fizeram procurar ajuda profissional?  

PA – O primeiro, e tenho certeza que é o que acontece com a maioria das famílias,  está associado à fala. Meu filho já tinha dois anos e ainda não falava. Procuramos uma fonoaudióloga. Outro sinal importante foi a falta de interesse por coisas e brincadeiras comuns à sua idade. 


CR - Que exames foram necessários para fechar o diagnóstico e quanto tempo isso demorou? 


 PA - Não existe exame para detectar o autismo. Os solicitados pelos médicos são para descartar outras comorbidades associadas ao TEA. A demora é um sofrimento para os pais. Muitos médicos despreparados (neurologistas) continuam retardando o diagnóstico e impossibilitando o início do tratamento da criança, assim como pediatras, que já podiam detectar  o transtorno nas fases iniciais  dos sinais autísticos, o que levaria a uma estimulação precoce e prognóstico futuro mais favorável. Demorou quase um ano para sair o diagnóstico. Tive que recorrer a médicos em  outros estados.  

  

CR - Como você reagiu quando recebeu a confirmação de que seu filho é autista?  

  

PA – Com muita dor e sofrimento. Vivenciamos o luto porque, naquele momento, estava morrendo a criança idealizada. Costumo narrar a sensação como um filme hollywoodiano de ficção científica, em que o chão se abre e os carros caem no abismo. Foia assim que me senti ao ouvir da neurologista que meu filho é autista. O que posso dizer para as famílias que estão vivenciando essa dor é que ela passa. Com o tempo, as peças vão se encaixando. Chore o quanto puder, suas lágrimas serão combustíveis para ajudar o seu filho. Só alerto para que elas não fiquem presas nessa fase.  

  

CR – Passado o impacto inicial, o que você fez?  

   PA – Busquei ajuda profissional. E hoje, meu filho é acompanhado de segunda a sexta-feira por uma equipe multidisciplinar: Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Psicopedagogia, Psicologia, Fisioterapia (ele precisa de muita estimulação),  além  de várias horas da Análise do Comportamento Aplicada, que elabora programas que o ajudam a adquirir novas habilidades. Ele tem rotina de gente grande e quem o  acompanha nessa jornada sou eu.  

  

CR -  E como é sua rotina, tendo que conciliar os cuidados com Isaac,  vida profissional, de  dona de casa e de esposa?  

  

PA - É uma loucura, mas não reclamo, apenas agradeço e peço forças a Deus para conseguir  cumprir as minhas responsabilidades. Continuo exercendo a minha profissão em um período do dia e concluindo mais  uma faculdade. Além disso, também ocupo meu tempo lendo novos artigos sobre autismo. Nós, mães de autistas, nunca paramos  de pesquisar a respeito de conteúdos relacionados ao tratamento dos nossos filhos. Tenho ainda que exercer  meu papel  de esposa (preciso dedicar tempo de qualidade ao  marido). Aprendemos a aproveitar as oportunidades e realizamos viagens ao longo do ano para descansar das nossas correrias. Fora esses papéis, não posso esquecer que sou mulher, filha e amiga. Ademais, na medida do possível, reservo espaço para as pessoas próximas e, para distrair  minha mente, procuro fazer algo que gosto muito como ler, ouvir música, bater um bom papo, malhar etc. Esses combustíveis me dão forças para prosseguir na jornada, entendendo que a Graça de Deus me ajuda. E o segredo para que tudo caminhe é o amor.  

  

CR – Como está o tratamento de Isaac durante a pandemia?  

PA – No início, tivemos que parar tudo. Ficamos recebendo orientações por telefone. A família teve que se unir ainda mais para ele não perder as habilidades adquiridas. Foi preciso também tirá-lo da escola porque não acompanhava as aulas On line. Porém, graças a Deus, desde setembro retomamos o tratamento e, como as perdas foram poucas, Isaac está numa ótima fase de desenvolvimento cognitivo e social. E cada dia nos surpreende mostrando que é capaz de ir um pouco mais longe.  

  

CR – Atualmente, qual é o estado clínico dele?  

  

PA – Depois de passar por várias fases (surgimento do autismo e as comorbidades, como epilepsia e transtorno do sono, entre outras), agora, ele vive um momento muito bom e o aprendizado está fluindo. Por isto, falo para as mães que uma das virtudes que devemos mais cultivar ao longo da nossa caminhada é a paciência. As coisas que parecem um monstro, vão se tornando obstáculos superáveis.  

  

CR – De onde vem sua força?  


PA - A minha força vem de Jesus. A paz que tenho em meu coração é a certeza que nada foge do Seu controle. E até o autismo de Isaac veio para me ensinar muitas coisas. Hoje sou capaz de agradecer por isso, porque não teria um relacionamento tão pessoal com Deus se não fosse o transtorno do meu filho. 

  


CR –
Qual a lição que você  tira da sua jornada?  

  

PA - O que eu aprendi foi a descansar em Deus e confiar que Ele cuida de cada detalhe da nossa  vida. Sendo a situação ruim ou boa, Ele só quer o melhor para nós.  


CR - Quais as suas expectativas?  

  

PA – É  que  meu filho seja feliz do jeito que ele é, livre da lógica  capacitista, que enquadra a criança especial  como sendo incapaz e que nunca chegará a lugar nenhum. É preciso  muita conscientização sobre o autismo, só assim o preconceito diminuirá e a sociedade aceitará de forma normal ter crianças fora do padrão típico.  

 

Panorama do autismo no Brasil  

  

Embora ainda não existam dados oficiais com relação ao número de  autistas no Brasil, estima-se que há cerca de 2 milhões no país.  Porém, em julho de 2019, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o projeto PL 6575/16 apresentado pela deputada federal Carmem Zanotto (Cidadania – SC), que virou lei, obrigando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístia (IBGE) a coletar informações sobre autismo já no Censo 2020. No entanto, por causa da pandemia, o recenceamento demográfico não aconteceu, mas a expectativa é que seja realizado neste ano de 2021.  

 

Referência de atendimento em João Pessoa -PB


  • Centro de Atendimento ao Autista: localizado na Rua Bom Jesus, nº 649, Bairro do Varjão/Rangel. Funciona de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 11h30 e das 13h às 17h;  
  • UFPB, através do projeto de extensão “Intervenção em linguagem em crianças com síndrome autística”. O atendimento acontece sempre nas sextas-feiras;   
  •  Centro de Referência Municipal de Inclusão da Pessoa com Deficiência (CRMIPD), da Prefeitura Municipal de João Pessoa, fica no conjunto Pedro Gondim;  
  • FUNAD - Fundação Centro Integrado de Apoio à Pessoa com Deficiência. Rua Dr. Orestes Lisboa, s/n - Pedro Gondim.  


E, para finalizar, nós do  Oh, que saúde! prestamos uma homenagem a todas as mulheres-mães guerreiras, que vão à luta diariamente, enfrentando desafios inimagináveis para cuidar dos seus filhos. Oferecemos as nossas leitoras essa poesia, em forma de acróstico, com o nome da mãe de Isaac. 


Isaac, lindo amor! 

(Autor: Jorge Bianco )


Perseverança 

Reunida  

Incondicional 

Superando 

Circunstâncias 

Isaac 

Lindo  

Amor! 


 


 


Um comentário:

  1. Uma justa homenagem a Priscila Mulher, a Priscila Mãe, que insistiu pelo amor, pela dedicação a Isaac. Lidar com o autismo requer paciência, buscar sempre, novos estudos sobre essa questão, não esquecer de insistir na inclusão, em outras formas de comunicação, quando a fala falha, e sobtretudo o amor. Nesse quesito você nos ensina, Priscila. Homenagens a você e seu amado flho.

    ResponderExcluir